Apesar da resposta anterior, de que foi o espírito de Moisés que esteve ali ser bem interessante, estou mais inclinado a pensar que, como está claro no texto de Mateus 17.9, a aparição de Moisés e Elias, no monte da Transfiguração, foi apenas uma visão (horama) sobrenatural que Jesus, na sua infinita graça, concedeu àqueles que estiveram ao seu lado, em quase todos os momentos, e como uma resposta à sua promessa em Mateus 16.28. Jesus não deixa nenhuma margem para dúvidas de que aquilo foi uma visão. Pois assim que desceram do monte, Ele lhes deu a seguinte ordem:
“A ninguém conteis a visão até que o Filho do Homem seja ressuscitado dos mortos” (Mt 17.9).
A palavra grega que aparece no texto de Mateus 17.9 para visão, de acordo com James Strong, é horama, “alguma coisa contemplada, isto é, um espetáculo: (especialmente sobrenatural): vista, visão”. Esse vocábulo aparece 12 vezes no texto do Novo Testamento com o significado de visão, de algo espetacular e sobrenatural (Mt 17.9; At 7.31; 9.10,12; 10.3,17,19; 11.5; 12.9; 16.9,10; 18.9).
De todos esses textos, além de Mateus 17.9, há pelo menos outros três, onde ocorre o vocábulo grego horama, que chamam a nossa atenção. Trata-se de Atos 9.10,12 e 16.9.
Em Atos 9.10, Ananias tem uma experiência para lá de espetacular. Por meio de uma intervenção divina, ele entra no mundo espiritual e é capacitado a ver aquilo que naturalmente não seria possível. Primeiro, Deus lhe fala em visão. A Bíblia não diz como foi essa visão, mas limita-se a dizer que Deus falou com ele por meio de uma visão (horama). Nessa
visão lhe foi revelado o nome de uma rua, o proprietário de uma casa e o seu respectivo nome, a pessoa que estava hospedada em sua casa, seu nome, seu endereço, o que ele estava fazendo, e a visão que ele teve com Ananias e de tudo que iria ocorrer. Pois bem, como se isso não bastasse, Saulo também teve uma visão. E nessa visão ele via um homem, que no caso era Ananias, que se aproximava dele e lhe impunha as mãos para que ele voltasse a ver. O que ocorreu aqui foi o mesmo que ocorreu no monte da Transfiguração. Ananias não estava na casa de Judas ao lado de Saulo, mas Saulo pôde vê-lo, com os olhos abertos, porém, numa visão (horama).
A outra passagem, ainda mais clara, está em Atos 16.9, na visão que Paulo teve do varão macedônio.
Paulo, acompanhado de seus cooperadores Silas e Timóteo, intentava pregar a Palavra de Deus na Ásia, mas eles foram impedidos pelo Espirito Santo. Tentaram da mesma sorte ir para a Bitínia, mas o Espírito de Jesus os impediu. Logo mais à noite, Paulo teve uma visão (horama) em que se apresentava um varão macedônio e lhe rogava dizendo: “Passa à Macedonia e ajuda-nos” (At 16.6,7,9). Vamos aos fatos. Ninguém, em são juízo, pode afirmar que o varão macedônio estivesse literalmente ali com Paulo e os seus companheiros. Não obstante, Paulo o. viu e ouviu o que ele lhe dizia. O varão macedônio, naquele momento, não era uma realidade tangível, mas apenas uma figura visionária. Pois tudo o que Paulo teve, naquela noite, foi o mesmo que os três discípulos, Pedro, Tiago e João tiveram, uma visão (horama). Há ainda outros exemplos, mas esses bastam para entendermos que os discípulos, assim como Paulo, tiveram uma visão (horama). Acerca disso, o meu amigo, Pr. Carlos Augusto Vailatti, referindo-se à interpretação de Mateus 17.1-9, feita pelos adventistas do sétimo dia, faz a seguinte ponderação:
“Com relação a Mateus, no capitulo 17, esse é um texto que tem provocado muitos e muitos debates e debates acalorados, no que diz respeito à compreensão desse texto. Eu entendo o seguinte, particularmente, nós temos aqui um substantivo que também é muito debatido, que aparece no versículo 9. É interessante que Mateus é construído cm torno de vários acontecimentos que ocorrem em torno de montes. Se a pente pegar o texto de Mateus 4, Jesus está no monte, depois no contexto do sermão do monte, Ele está em outro monte e agora, em Mateus 17, Ele está em outro monte. Mateus 28 também mostrará que os discípulos estão num monte na região da Galileia. Ou seja, Mateus pega um fio condutor ao longo dos seus 28 capítulos, pelo menos seis ocasiões em que montes são retratados apenas, principalmente para poder rivalizar ou comparar Jesus com Moisés, mostrando que Jesus é um novo Moisés. É muito mais importante e perfeito cumpriu a Torá, o plano os mandamentos de Deus além de Moisés. Agora, em Mateus, no capítulo 17, nós encontramos no versículo 9 a expressão “visão”, que vem do grego horama. Horama é um substantivo grego que aparece 12 vezes em todo o Novo Testamento, aparece nos evangelhos, somente em Mateus 17.9, e as outras 11 ocorrências de horama aparecem todas em Atos dos Apóstolos. É importante entender que se não em todas as ocorrências de Atos e também de Mateus, se não em toda a maioria esmagadora delas, horama se refere a uma visão sobrenatural. O único possível caso que poder ia servir de exceção seria uma referência à visão que aparece em Atos 10, que Cornélio teve de anjos. Ainda assim é muito questionada. Outra questão que as pessoas levantam é com relação à visão que Moisés teve da sarça ardente, em Atos 7.30 e 31, onde horama aparece de now. Quanto a esse texto que faz parte do discurso de Estêvão, ele é uma citação de Êxodo 3.3, e fala de um termo hebraico que aparece mais oito vezes contando com esse de Êxodo 3.3, no Antigo Testamento e na maioria das vezes também se refere a um contexto de visão sobrenatural ou uma visão em sonhos, por exemplo. Então, de uma forma geral, eu sou levado, Pr. Elias, a entender horama como sendo uma referência a uma visão sobrenatural. Além disso, eu creio também que para fazermos uma boa exegese ou para tentarmos fazer uma boa exegese, não somos aqui os donos da verdade, mas tentamos discutir aqui para tentarmos elucidar esse texto, eu entendo que Mateus, no capítulo 17.1-3, está construído tudo em torno de uma visão escatológica, onde Moisés e Elias aparecem numa visão a fim de justamente fazer que Pedro, João e Tiago compreendam eventos ainda futuros. É como se houvesse uma visão, uma amostra grátis, vamos assim dizer, preliminar da glória futura do Messias que se daria justamente num período futuro, num momento escatológico. Então, creio que, além de tomarmos horama no versículo 9, temos que ler isso à luz de outros elementos. Por exemplo, o versículo 1 diz que Jesus está com três de seus discípulos num monte alto. Depois, o texto diz que o rosto dele resplandeceu como o sol, algo que nos lembra Moisés, e também os seus vestidos se tornaram brancos como a luz. Depois, nós vemos que apareceram, aos discípulos, Moisés e Elias. Quero chamar a atenção aqui para a forma como o verbo aparece. O verbo “aparecer” está na forma passiva, o que dá a entender que os discípulos não viam ativamente a visão, mas a visão lhes foi dada, eles a receberam. Então, a voz passiva do verbo “aparecer”, com o substantivo horama, além de todos esses detalhes que aparecem em Mateus 17, contribui e corrobora para a ideia de que aqui nós temos uma visão”.
Outra passagem usada por eles para defendera suposta ressurreição de Moisés é Mateus 17.1-9. “No meu modo de entender, aquilo foi uma visão com base no substantivo horama, que aparece no versículo 9. Mas eles dizem que aquela aparição, do ponto de vista linguístico, foi real, pelo fato de horama derivar de horao. Para eles, Moisés apareceu com corpo glorificado o que, segundo eles, só seria possível se ele tivesse sido ressuscitado.”
RESPOSTA:
“Quanto ao substantivo horama, ele ocorre 12 vezes ao todo no Novo Testamento e em todas as suas ocorrências ele sempre faz referência a uma “visão sobrenatural” (Veja: horama (7x): > (Mt 17.9; At 7.31: 10.17; 11.5; 12.9; 16.9; 16.10) horamati > (3x) (At 9.10; 9.12; 10.3) horamatos > (2x) (At 10.19; 18.9), Portanto, do ponto de vista filológico, horumu sempre se refere no NT a uma “visão sobrenatural”. É evidente que a visão foi “real”, pois os discípulos a “viram”. Porém, isso não quer dizer que Elias e Moisés estavam realmente presentes ali. (Em At 9.12, por exemplo, Paulo teve uma visão [hormati] na qual ele via que Ananias vinha até ele e impunha as suas mãos sobre ele. Contudo, apesar de a visão ser real, Ananias não estava presente ali. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a Moisés c Elias cm Mt 17). Deve-se sublinhar que em momento algum o texto bíblico diz que “Moisés apareceu com corpo glorificado” ou que ele havia ressuscitado. Deus poderia facilmente ter feito Moisés aparecer nesta ocasião singular mesmo sem ressuscitá-lo. Ora, se Deus tem poder para ressuscitar um morto, como sabemos que tem, então Ele também é suficientemente poderoso para fazer um morto aparecer sem que para isso Ele precise ressuscitá-lo. Deve-se ressaltar ainda que Mateus 17-3-9 possui todos os elementos característicos de uma “experiência visionária sobrenatural”, o que indica, novamente, que os discípulos tiveram apenas uma grandiosa visão, mas nada mais do que isso” (Carlos Augusto Vailatti).
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Fonte: Livro – Perguntas Difíceis de Responder – sobre a imortalidade da alma entre a morte e a ressurreição, Elias Soares de Moraes, Editora Beit Shalom, 2016.