AS CONTRIBUIÇÕES DAS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PARA O DEBATE ATUAL SOBRE A EXISTENCIA DE DEUS
Ao contrário do que postulava algumas vozes no século passado sobre a morte de Deus e as previsões pessimistas do fim da religião, o que se vê no início deste século, pelo menos dentro da filosofia, é um intenso debate sobre a existência de Deus. Deus está em questão em pleno século vinte e um. O surgimento do chamado neo-ateismo reacendeu o debate nos EUA sobre o tema. Um dos maiores apologistas da fé cristã da atualidade, o filósofo Willian Lane Craig, tem se destacado como um competente oponente do movimento ateu. O Dr. Craig tem debatido com praticamente todos os proeminentes ateus e neo-ateus atuais.
Descrição do assunto
Um destes debates foi promovido pelo “Fórum Fé e Ciência” com o cientista Peter Atkins cujo tema foi “Quais são as evidências contra e favor da existência de Deus?”
Os debatedores são homens proeminentes em suas áreas.
O Dr. Craig possui dos doutores: um em filosofia pela Universidade de Birmingham, Inglaterra e Ph.D em Teologia pela Universität München, na Alemanha. É autor de temas pertinente à filosofia da religião e história do Novo Testamento com ênfase em teologia natural e a ressurreição de Cristo.
Peter William Atkins é um químico que lecciona na Universidade de Oxford e autor de obras de referência no seu meio. Já escreveu diversos artigos acadêmicos em periódicos especializados. Uma dse suas obras importante é Physical Chemistry e Inorganic. Chemistry. Sua crítica contra a religião faz dele um dos mais proeminentes defensores do ceticismo atual.
O debate teve como moderador o Dr. Willian Buckley que apresentou resumidamente o currículo dos debatedores. O embate começa com as considerações iniciais do Dr. Craig expondo seus famosos cinco pontos para a existência de Deus, iniciando com o argumento cosmológico: 1) Tudo que começa a existir tem uma causa, 2) O universo começou a existir e, 3) Portanto, o universo tem uma causa.
Craig em sua primeira fala inicia mostrando as inconsistências lógicas das argumentações de Atkins sobre a criação de um universo a partir do nada.
As primeiras palavras de Atkins, mais parece as de um líder de seita, do que as de um cientista, no bom estilo iluminista, ele promete tira-los (a plateia) das trevas da ignorância e leva-los a luz da razão e da felicidade.
Atkins, simplesmente se mostrou confuso em seus argumentos, contradizendo-se vez ou outra e foi superado por Craig.
A contribuição das Ciências da Religião para o debate acadêmico sobre a existência de Deus
Teriam os conhecimentos advindos das Ciências da Religião alguma contribuição relevante para o debate atual sobre a existência de Deus?
Bem, tomando como exemplo o debate em lide, o próprio Craig utiliza algumas das disciplinas estudadas em Ciências da Religião em seus debates. Neste debate em particular com o cientista Peter Atkins, ele utilizou a filosofia da religião (sua área acadêmica). A filosofia participa do campo epistemológico das Ciências da Religião. Quando falou sobre a ressurreição de Cristo e sua historicidade, fez uso em parte da disciplina História das Religiões e ao discorrer sobre como as pessoas podem “experimentar” Deus ele tocou no campo da Psicologia da Religião.
As Ciências da Religião é uma ciência multidisciplinar, neste caso, pesquisas de outras áreas ajudam a clarificar o fenômeno religioso em suas múltiplas formas em que se manifesta, tais como a antropologia, etnologia, geografia, filologia, etc.
Por outro lado, há de se ressaltar que as Ciências da Religião enquanto produtora de ciência não tem competência para provar ou negar a existência de Deus. Sua metodologia se assemelha a de outras ciências sociais em que seu objeto de pesquisa passa por uma série de processos analíticos objetivos.
Popper dizia que “O objetivo da ciência é encontrar explicações satisfatórias do que quer que nos apresente e nos impressione como estando a precisar de explicação”.[1]
Em 2009 o blog “Ciências da Religião”, com o título “ A questão das Ciências da Religião”, trouxe a seguinte enquete: “qual destas questões é própria das Ciências da Religião (e não da Teologia, Filosofia ou História)?!”. A estatística foi a seguinte:
A Bíblia tem razão? 1%
Os espíritos incorporam de verdade? 3%
Qual o sentido deste fato religioso? 55%
Deus existe mesmo? 9%
Esta é uma experiência religiosa verdadeira? 9%
Que estruturas de produção explicam tal religiosidade? 18%
Comentando sobre o resultado da enquete o articulista do blog pondera:
Este é o resultado da primeira enquete do nosso Blog, que foi sobre a questão própria das Ciências da Religião. Cinquenta e quatro pessoas votaram e 55 % votaram acertadamente na pergunta “Qual o sentido deste fato religioso”. Questões como “A Bíblia tem razão” ou “Esta é uma experiência religiosa verdadeira” são mais restritamente teológicas. “Deus existe mesmo” é um problema filosófico.[2]
A pergunta “Deus existe mesmo” é um problema que a teologia e a filosofia se adequa melhor pelo próprio método de trabalho de ambas as áreas.
Entretanto, já que a religião é o objeto de pesquisa das Ciências da Religião e esta por sua vez tem o potencial de criticar ideologias é salutar que este potencial também possa ser usado para criticar a ideologia dos neo-ateístas, mostrando as falhas por detrás destas ideologias.
Ao analisar a religião enquanto produto da cultura da sociedade, o cientista da religião deve pressupor que a prática coletiva da religião ou sua negação constitui-se em um fenômeno social cujo estudo crítico e sistemático, com o aporte multidisciplinar das diversas ciências, é essencial para a compreensão da cultura de dada sociedade.
A fé não se reduz a um simples “meme”[3] como quer Richard Dawkins, etólogo, biólogo evolutivo e escritor britânico e um dos mais aguerridos oponentes modernos da religião. A fé religiosa é um fenômeno social complexo que ajuda a construir e controlar parte das ações humanas enquanto ações coletivas.
Considerações finais
As Ciências da Religião, portanto, não entraria, acredito, no debate direto sobre a existência de Deus como faz a filosofia. Sua importância se concentra em áreas periféricas a esse debate, até mesmo como uma subárea ao analisar o fenômeno religioso em si. Sua manifestação enquanto fenômeno coletivo, passível de experimentação. Suas variadas formas como ele se manifesta em culturas diferentes e seu surgimento no primórdio da humanidade, enquanto força causadora de sentido.
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Referencias bibliográficas
HOCK, Klaus. Introdução à Ciência da Religião. São Paulo: Loyola, 2010.
LIGÓRIO, Afonso Maria Soares. A teologia em diálogo com a Ciência da Religião. São Paulo: Ciberteologia, 2009.
[1] Karl R. Popper, O Realismo e o Objetivo da Ciência, (Pós-Escrito à Lógica da Descoberta Científica, Vol. I), Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1987, * 15, p. 152. Vd. também, * 15, p. 164-165.
[2] http://crunicap.blogspot.com.br/2009/05/questao-das-ciencias-da-religiao.html
[3] O conceito de memes, se refere a uma teoria ampla de informações culturais criada por Richard Dawkins em 1976 no seu livro The Selfish Gene ( O gene egoísta).
Autor: Profº Paulo Cristiano da Silva