“Quem não toma posição em favor de uma ideia poderá ser levado por qualquer ideia ”
Na publicação do livro These Also Believe (“Eles também creem”), um estudo sobre seitas e crenças de grupos minoritários, seus autores, o dr. Charles Braden, professor jubilado da Universidade Northwester (1954), e John G. Schffer, conferencista (1955) e professor convidado da Faculdade Scripps (1954 a 1956), ambas nos Estados Unidos, fazem diversas observações interessantes com as quais concordo plenamente. Em referência à palavra “seita”, o dr. Braden diz o seguinte:
“Ao empregar o termo ‘seita’, não é minha intenção depreciar nenhum grupo a que ela se aplique. Seita, no meu entender, é qualquer grupo religioso que, em doutrina ou prática, difira, de forma significativa, dos grupos religiosos considerados a expressão normativa da religião em nossa cultura.” (Prefácio, XII).
Gostaria de acrescentar que a palavra pode ser aplicada também a um grupo de indivíduos reunidos em torno de uma interpretação errônea da Bíblia, feita por uma ou mais pessoas. As Testemunhas de Jeová, por exemplo, em sua maioria, seguem as interpretações bíblicas de Charles T. Russell e J.F. Rutherford, Nathan H. Knorr e Frederic Franz. Os atuais adeptos da Ciência Cristã são discípulos de Mary Baker Eddy, pois seguem sua interpretação pessoal das Escrituras. Os Mórmons, como eles próprios confessam, adotam a interpretação bíblica feita por Joseph Smith e Brigham Young, registrada nos escritos deles. Do ponto de vista teológico, as seitas apresentam muitos desvios em relação ao cristianismo tradicional. Paradoxalmente, porém, afirmam que têm o direito de ser consideradas religiões cristãs. Não posso, portanto, concordar com tudo que o dr. Braden diz, porque ele se confessa um “liberal convicto”. E muito menos posso afirmar como ele, que diz que “não defendo nenhuma dessas seitas… e não me oponho fortemente a nenhuma delas”.
Embora esteja de acordo com o fato de que “as seitas, de modo geral, representam uma busca sincera de milhões de pessoas que procuram respostas para as profundas e legítimas aspirações do espírito humano, que a maioria delas não encontrou nas igrejas estabelecidas”, acredito também que há muito mais para ser dito a respeito. Alguém já observou, aliás, com muita sabedoria, que “quem não toma posição em favor de uma ideia poderá ser levado por qualquer idéia”. Então resolvi posicionar-me dentro das fronteiras do cristianismo bíblico, ensinado pelos apóstolos, defendido pelos pais da igreja, redescoberto pelos reformadores e chamados por alguns de “doutrina dos reformadores”.
Os teólogos liberais se preocupam mais com o modo de atuar das seitas do que com a razão de ser das suas doutrinas, e parecem que adotam como norma de conduta a afirmação de Gamaliel. Devemos nos lembrar, porém, que Gamaliel estava aconselhando os judeus a não se oporem aos cristãos dizendo que “se este conselho ou esta obra vem de homens, perecerá; mas, se é de Deus, não podereis destruí-los” (At 5.38-39).
Não devemos nos esquecer também de que o conselho dele não constituiu doutrina bíblica, e se o aceitássemos na forma como é expresso, teríamos de crer que o islamismo é “de Deus”, pois experimentou um crescimento rápido e propagou-se vigorosamente por todo o mundo. E também enquadrar nessa mesma categoria o mormonismo (que começou em 1830 com apenas seis pessoas e, atualmente, conta com milhões de adeptos), o que a maioria dos liberais não aceita, embora se digam tão liberais. Não quero dizer com isso que devemos examinar as seitas sob “microscópios eclesiásticos”, mas, sim, à luz da revelação divina que possuímos, a Palavra de Deus, a qual pode pesá-las “na balança de precisão da verdade absoluta”. O Senhor mesmo disse: “Porque se não crerdes que eu sou morrereis nos vossos pecados”. O critério final para se julgar qualquer coisa relacionada a grupos, seitas, crenças, etc., sempre foi e sempre deve ser a pergunta: “Que pensais vós do Cristo? De quem é filho?”.
Sou obrigado a discordar também da ideia de que “todos os caminhos que nos levam a Deus são bons”, pois não creio na palavra do Senhor que diz: “Eu sou um dos muitos caminhos bons” ou “Sou o melhor caminho, sou um aspecto da verdade, sou um fragmento da vida”. Nada disso. O Senhor Jesus fez uma afirmação em termos absolutos, e a aceitação de que Ele é o Salvador do mundo anula todas as afirmações semelhantes de outros homens ou religiões.
Quero deixar bem claro também que, apesar de fazer algumas críticas a certas posições dos liberais nessa questão de seitas e crenças, não deixo de reconhecer suas valiosas contribuições para este estudo. Todavia, por mais completa que seja uma pesquisa, por mais longo que seja o tempo dedicado a um estudo, é impossível levantar todas as informações e avaliar todos os fatos necessários a uma compreensão plena da origem e desenvolvimento das seitas. Meu tratamento do assunto segue uma orientação confessadamente teológica, com o objetivo de contrastá-las com o cristianismo, confirmando-o como verdadeira religião.
O dr. Van Baalen está certo quando diz que “as seitas são as contas vencidas da igreja” (“O Caos das Seitas”, p. 8). E elas o são de fato; mas são muito mais: constituem um desafio para que a Igreja afirme mais uma vez os grandes princípios e fundamentos do evangelho de Cristo, tornando-os relevantes para a atual geração. Não há dúvida de que o rumo geral que as religiões estão tomando hoje em dia é o do sincretismo; isto é, de uma homogeneização das crenças, como já demonstrou mais de uma vez o grande historiador Amold Toynbee.
Há pessoas que estão sempre tentando convencer-nos, por meio de livros, artigos de revistas e jornais, de pronunciamentos em concílios e congressos ecumênicos, que “devemos dar menos valor às questões que nos separam e mais ênfase àquelas que temos em comum uns com os outros, e que atuam como elos de ligação entre nós e eles”. Estamos de acordo com a sugestão, desde que aquilo que nos une a outros seja uma firme base doutrinária, uma verdade moral e ética, e que essa unidade de que se fala seja a união verdadeira do corpo de Cristo. Mas, se como querem alguns, esse fator de ligação se ampliar mais, para incluir também aqueles que não se acham em harmonia com os princípios essenciais do cristianismo, então temos de nos opor decisivamente à ideia.
“Não vos prendais a um jugo desigual com os infiéis; porque, que sociedade tem a justiça com a injustiça? E que comunhão tem a luz com as trevas? E que concórdia há entre Cristo e Belial? Ou que parte tem o fiel com o infiel? E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o templo do Deus vivente, como Deus disse: neles habitarei, e entre eles andarei: e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Por isso saí do meio deles, e apartai-vos, diz o Senhor; e não toqueis nada imundo, E eu vos receberei; e eu serei para vós Pai, e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo Poderoso” (2 Co 7.14-18).
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WALTER MARTIN, REVISTA DEFESA DA FÉ – ANO 5 – N°35