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Ciência Desafia História Narrada No Livro De Mórmon

Por   /  19 de junho de 2021  /  Sem comentários

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Pesquisas de DNA têm apre­sentado sérios desafios à reivindicação mórmon de que os nativos americanos tenham sido descendentes de coloni­zadores hebreus que teriam vindo para a América por volta da época em que Jeru­salém fora capturada pela Babilônia, cen­tenas de anos antes de Cristo.

O fundador do mormonismo, Joseph Smith, pregava que um anjo chamado Moroni lhe aparecera quando tinha cerca de 13 anos de idade e lhe contara sobre placas de ouro que teriam sido enterradas próximo à casa de sua família, em Palmyra, Nova York. O anjo também contara a Smith que as placas continham uma “relação e origem dos antigos habitantes do conti­nente americano”. Segundo a história mórmon, Smith recobrou as placas, traduziu-as e publicou o conteúdo da mensa­gem no Livro de Mórmon, em 1830.

A página introdutória do Livro de Mórmon declara ser a obra “um resu­mo do registro do povo de Néfi e tam­bém dos Lamanitas, remanescentes da casa de Israel”.

O tema principal do livro envolve os descendentes de um profeta chamado Lei que, por sua vez, era descendente do personagem bíblico Manassés, de acordo com o texto de Alma 10.3. Néfi e Lamã são filhos de Lei e figuram como personagens principais no início do li­vro. Néfi é descrito como sendo o filho mais íntegro de Lei, enquanto que Lamã é descrito como alguém de má índole. Devido ao seu comportamento transgressor, Lamã e seus seguidores são amaldiçoados com a pele escura. A maioria dos mórmons crê que os ameri­canos nativos eram descendentes dos lamanitas de pele escura.

Diversos antropólogos, biólogos e geneticistas desafiaram esta suposição ao longo dos anos, mas certamente nenhum deles alcançou maior notorie­dade do que a que tem recentemente usufruído Thomas Murphy – Presi­dente do Departamento de Antropolo­gia da Faculdade de Lynnwood, em Washington (EUA). O que tornou suas declarações tão intrigantes é o fato de ele ser membro da igreja mórmon.

Murphy insiste que o Livro de Mórmon, crido e seguido pelos mórmons, é o “livro mais correto da face da Terra”, mas é incorreto quando de­clara que os americanos nativos são descendentes de judeus. Em 2002, Murphy empenhou um trabalho analí­tico sobre “A origem, genealogia e ge­nética dos lamanitas” e concluiu que “os resultados das pesquisas de DNA não oferecem qualquer apoio para a tra­dicional crença mórmon sobre as ori­gens dos americanos nativos”.

Murphy destaca que “as pesquisas de DNA foram substanciadas por evidên­cias arqueológicas, culturais, linguísticas e biológicas que apontam de forma es­magadora para uma origem asiática dos americanos nativos”. Comentando sobre o Simpósio de Sunstone (um evento anual que reúne estudantes mórmons liberais) na cidade de Salt Lake, em agosto de 2002, Murphy interrogou: “Diante das descobertas, o que nós, mórmons, deve­mos fazer? Temos um problema. Nossas crenças não são validadas pela ciência”. Tal conclusão o levou a ser convocado à presença de autoridades mórmons para uma reunião disciplinar. Mas, devido a um grande clamor dos membros da igre­ja, em 8 de dezembro de 2002, seu julga­mento foi adiado sem a agenda de uma outra data definida.

Os apontamentos de Murphy foram compartilhados com o público mórmon, o que gerou severas e constantes críti­cas da alta cúpula mórmon. Alguns o acusaram de se comportar como um “antimórmon”, enquanto outros têm-se esforçado em repudiar e censurar suas pesquisas. Em 29 de janeiro de 2003, foi promovida uma conferência na Univer­sidade de Brigham Young para discutir a controvérsia levantada pelas pesqui­sas de DNA. Michael Whiting, biólogo e professor da Universidade, apresen­tou uma resposta às conclusões de Murphy e às comparações que alguns fizeram relacionando as descobertas de Murphy e Galileo. Whiting zombou: “Esta é uma comparação imprópria. A diferença é que Galileo tinha a verdadei­ra ciência a favor de si. Eu não sei se podemos dizer o mesmo de Murphy”.

Inúmeros mórmons que criticaram Murphy inicialmente têm reconhecido que muito do que ele diz é verdadeiro. No entanto, se recusam a concordar com a conclusão de que Joseph Smith e seu livro são falhos.

Embora Murphy represente a ame­aça principal contra a fidelidade mórmon “ortodoxa”, ele não está sozi­nho em suas conclusões. Em sua pes­quisa, menciona Michael Crawford, biólogo e antropólogo da Universidade de Kansas. “Não há sequer a mínima evi­dência de que as tribos perdidas de Is­rael trilharam caminho em direção ao Novo Mundo”, disse Crawford. “É uma grande história, desacreditada por uma descoberta desagradável”. O geneticista Bryan Sikes, da Universidade de Oxford, e a geneticista russa, Miroslava Deremko, também compartilham de con­clusões semelhantes. Murphy conta, ainda, com o respeito do geneticista Scott Woodward, da Universidade de Brigham Young, que está entre os que acreditam haver pouca esperança de estabelecer uma conexão entre os ame­ricanos indígenas e os judeus.

  • Jeffrey Meidrum e Trent D. Stephens, biólogos mórmons da Uni­versidade de Idahode, aceitam os da­dos publicados sobre as origens dos americanos nativos e a possibilidade razoável de haver ligação entre ameri­canos e asiáticos. Em um artigo intitulado “Quem são os filhos de Lei?”, escrito para o Journal of Book of Mórmon Sudies, ambos admitem que “dados apresentados indicam que 99,6% dos traços genéticos dos ameri­canos nativos estudados culminam para esta mesma interpretação”. E acrescentam: “Houve pouca ou quase nenhuma evidência que pudesse ser considerada seriamente pela corrente principal da comunidade científica para indicação de uma origem no Oriente Médio, ou qualquer outra fonte de ori­gem semelhante, para a maioria dos americanos nativos contemporâneos”.

Em uma matéria intitulada “As descobertas de DNA refutam o Li­vro de Mórmon?”, o cientista mórmon Jeff Lindsay escreveu: “So­bre o Livro de Mórmon levantam-se agora considerações de muitos lí­deres e membros da igreja que ta­xam seu texto como incorreto. Muitas pessoas, não conhecendo nada sobre o desenvolvimento inicial do continente, a não ser as migrações reportadas pelo Livro de Mórmon, têm declarado que todos os ameri­canos nativos descenderam dos pe­quenos grupos mencionados no li­vro mórmon. Mas este pensamento está errado. Ele não é apoiado nem pelo texto do livro nem pelas evidên­cias científicas”.

A declaração de Lindsay se opõe gravemente ao comentário tecido por um dos apóstolos da igreja mórmon, Spencer W. Kimball. Em julho de 1971, em um artigo intitulado “Sobre o sangue real”, a publicação mórmon declarou: “Com orgulho eu conto a todos que vem até mim que o lamanita é um dos descendentes de Lei que deixou Jerusalém cerca de 600 anos antes de Cristo e com sua famí­lia cruzou as terras e chegou à Amé­rica. Lei e sua família tornaram-se os ancestrais de todas as tribos indíge­nas e mestiças da América do Norte, do Sul e Central e também das ilhas do mar…”. Mais tarde, Kimball tor­nou-se o 12° presidente da igreja mórmon.

Assim como Lindsay, há outros membros da igreja que alegam que os mórmons estão interpretando mal o Li­vro de Mórmon. Murphy observa que organizações, como, por exemplo, a “Fundação para pesquisas antigas e estudos mórmons” (FARMS), consti­tuída por um grupo seleto de apologistas mórmons, também estão propondo uma revisão nas interpreta­ções do livro, a fim de conciliar a fé mórmon com a ciência. Murphy obser­va que “os resultados das pesquisas de DNA podem gerar um esforço de conciliação entre a ciência e o Livro de Mórmon, fazendo divergir os posicionamentos entre os mórmons in­telectuais e os tradicionais”.

DIFÍCIL ACEITAÇÃO

Diante de toda essa confusão, muitos mórmons começam a ter difi­culdades em aceitar a declaração introdutória do Livro de Mórmon so­bre a suposição de os “judeus” lamanitas serem os principais ances­trais dos índios americanos. Agora, estudantes e apologistas mórmons in­sistem que as pessoas mencionadas no Livro de Mórmon devem ter en­contrado outros grupos já residentes na América antes de eles chegarem, e que por meio de casamentos mistos os traços genéticos tornaram-se indecifráveis. Esta teoria, conhecida como “vento genético”, assume que os colonizadores lamanitas permane­ceram sempre como um grupo relati­vamente pequeno. Entretanto, Spencer Kimball pregou em uma men­sagem em uma conferência, em abril de 1947, que os nefitas e os lamanitas podiam ser numerados em centenas de milhões de pessoas que viveram nos dois continentes americanos.

Murphy persiste em notar que uma leitura honesta e literal do Livro de Mórmon não apoia a tese de que a po­pulação lamanita fosse relativamente insignificante, o que se fosse verdadei­ro auxiliaria na tentativa de conciliar as coisas. Em sua palestra no Simpósio de Sunstone, na cidade de Salt Lake, Murphy demonstrou que “a extinção genética reclamada pelos novos defen­sores do Livro de Mórmon é incompatí­vel com as declarações da obra que iden­tifica os lamanitas e nefitas como multi­dões, muitos milhares, e milhões de des­cendentes'” (grifo nosso). Disse ainda que “os profetas do livro mórmon pre­nunciam a descendência de Lei não so­mente para o presente, mas também para a posteridade”.

Em defesa de seus argumentos, Murphy menciona um texto mórmon cujo conteúdo registra a visão de um anjo visto por Néfi, filho de Lei: “E acon­teceu que o anjo me disse: Olha e vê a tua semente e também a semente de teus irmãos. E olhei e via a terra da promis­são; e vi multidões de pessoas, sim, e pareciam tão numerosas quanto a areia do mar” (1 Néfi 12.1). Na página 33 do “Manual de Estudante do Livro de Mórmon”, uma publicação de 1979, consta a explicação de que “a ‘semen­te’ refere-se aos nefitas, enquanto que ‘a semente de teus irmãos’ refere-se aos lamanitas”. Na mesma visão, Néfi de­clara: “E aconteceu que olhei e vi que a semente de meus irmãos havia vencido a minha semente; e espalharam-se em multidões pela face da terra” (1 Néfi 12.20). Os mórmons acreditam que esta profecia ter-se-ia cumprido cerca de 421 d.C., na batalha do Monte Cumorah.

Murphy lembrou em seu discurso que o anjo que falou a Néfi prometeu que “o Senhor Deus não permitirá que os gentios destruam completamente a mescla de tua semente que está en­tre os teus irmãos” (1 Néfi 13.30). Lí­deres mórmons da “velha-guarda” têm-se convencido de que os descen­dentes de Lei permaneceriam abun­dantes e poderiam ser facilmente identificados.

O atual presidente da igreja mórmon, Gordon B. Hinckley, também declarou que aqueles descendentes de Lei (mencionados em Néfi) poderiam ser identificados. Em várias oca­siões, Hinckley empregou em seus discursos de dedicação de templos mórmons palavras que validam a ve­racidade do Livro de Mórmon.

Em 6 de março de 1999, em seu dis­curso de consagração do templo de Juarez Chihuahua (localizado no Nor­te do México), Hinckley rogou a Deus que “abençoasse os Santos (mórmons) para que eles continuas­sem vivendo ali sem maiores incômo­dos. Para que pudessem viver em paz e segurança. Para que fossem prós­peros no cultivo de seus campos e persistentes em suas vocações. Para que os filhos e filhas do pai Lei cres­cessem em força e usufruíssem do cumprimento de todas as promessas antigas relacionadas a eles” (grifo nosso).

Em 7 de agosto de 1999, a igreja mórmon publicou, no periódico LDS Church News, a oração de dedica­ção conferida pelo presidente Hinckley por ocasião da consagra­ção do templo de Guayaquil, Equa­dor. Novamente, Hinckley identificou os fiéis mórmons como descenden­tes literais de Lei. “Tem sido algo muito interessante contemplar a congregação dos descendentes do pai Lei quando se reúnem no templo”, disse. “Muitas dessas pessoas têm o sangue de Lei correndo em suas veias, e isto é justamente o fator que promove seu grande interesse e responsabilidade”, concluiu.

Ainda na mesma oração de dedi­cação do templo equatoriano, Hinckley fez uma advertência aos fi­éis acerca “de pessoas que se deno­minam instruídas e que deixam seu intelecto arruinar os fundamentos de sua espiritualidade e insistem em conduzir sua fidelidade ignorando aqueles que foram designados por Deus para conduzir o povo”. A pu­blicação ainda afirma: “Há aqueles que sentem que seus líderes vivem fora da realidade de nossos dias. Eles tentam conduzir os membros substi­tuindo a revelação de Deus dada aos nossos profetas pelos seus própri­os conhecimentos”.

Essas palavras de precaução não estão diretamente relacionadas à questão do DNA, porém, podem pro­var o tamanho da confusão que en­volve os mórmons que gostariam de permanecer fiéis às suas lideranças eclesiásticas, mesmo diante da disparidade existente em suas inter­pretações acerca do Livro de Mórmon e aquelas defendidas pela Universidade de Brigham Young.

A igreja mórmon poderia terminar com a controvérsia publicando uma declaração oficial concernente à li­nhagem dos lamanitas e nefitas, to­davia, isto parece improvável. Na tentativa de acalmar as inquietações dos mórmons, a igreja publicou di­versos artigos sobre a questão do DNA no site oficial da igreja na Internet. A página eletrônica é clara em mostrar, porém, que tais artigos não consistem de “posições e decla­rações oficiais da igreja”. Até que a igreja decida defender ou denunciar os comentários de seus líderes e membros que tentam encontrar uma resposta que seja consistente inte­lectualmente para a fé que advogam, os mórmons, num todo, continuarão a enfrentar o dilema entre a fé na ci­ência ou a fé nas revelações dos pro­fetas mórmons. Por qual delas se decidirão?

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BILL MCKEEVER

REVISTA DEFESA DA FÉ – ANO 9 – N°73

 

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