A única ocasião na história em que um grupo de magistrados se reuniu para avaliar a identidade do acusado, e não um delito ou algum crime praticado por ele, foi no julgamento de Jesus: disseram todos: Logo, és tu o Filho de Deus? E ele lhe disse : Vós dizeis que eu sou, Então disseram: De que mais testemunho necessitamos? Pois nós mesmo ouvimos da sua boca… E Pilatos perguntou-lhe, dizendo Tu és o Rei dos Judeus? E ele, respondendo, disse- lhe1: Tu o dizes (Lc 22.70-71; 23.3). A identidade de Jesus estava sendo questionada. Os judeus estavam preocupados com as implicações da declaração de Jesus de ser ele o Messias, o Filho de Deus. E os gentios, na pessoa de Pilatos, preocupavam-se com a declaração de sua missão como Rei e as implicações de seu senhorio. Os primeiros julgaram Jesus como blasfemo, os últimos acharam que suas declarações não poderiam sacudir Roma, portanto eram insuficientes para condená-lo.
Hoje não é diferente. Encontramos grupos sectários e movimentos religiosos e esotéricos questionando a identidade do Messias. Quem alegou ser? Era realmente o que afirmava ser? O que dizem as Escrituras sobre Ele? Tais perguntas interessam aos cristãos e são essenciais à uma cristologia bíblica.
ETERNIDADE PASSADA
As Escrituras ensinam que Jesus, diferente de qualquer criatura, é visto em três tempos, contudo sendo a mesma pessoa imutável da Trindade. O Antigo Testamento profetizou intensivamente sobre a pessoa, o oficio, o tempo de sua primeira vinda e as virtudes do Messias (Dn 9.24-26; Jo 1.45). Entre as muitas profecias bíblicas, encontramos as predições a respeito da existência de Cristo na eternidade passada: E tu, Belém Efrata, posto que pequena entre os milhares de Judá, de ti me sairá o que governará em Israel, e cujas saídas são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade (Mq 5.2). E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele (Cl 1.16-17; compare com Jo 1.3). Também encontramos diversos casos na Bíblia em que aparece um anjo que, devido às suas características, se difere das demais criaturas angelicais. Esse anjo tem autoridade própria (Gn 22.10-19), faz promessas por si mesmo ( Gn 16.6-12), expressa-se na primeira pessoa do singular ( Gn 31.11-13). Em contraste com o arcanjo Miguel, o príncipe que guarda Israel, o Anjo do Senhor (o anjos do qual estamos falando) apresenta-se como Deus, fazendo menção de sua aliança com o povo israelita desde a saída do Egito (Jz 2.1-4). De Gênesis a Malaquias, ouvimos as profecias a respeito do Messias. E o Antigo Testamento conclui sua mensagem a respeito anunciando a vinda do Senhor ao seu templo (Ml 3.1), fato que se cumpre na segunda etapa de sua vida, a encarnação.
DIAS DE SUA ENCARNAÇÃO
No tempo designado e antecipado pelas Escrituras, Deus, o Pai, enviou seu Filho para remir a humanidade e manifestar a vontade Deus (G1 4.4). Essa segunda etapa da vida de Cristo é distorcida por diversos movimentos. Alguns afirmam que o Filho de Deus veio em um corpo fluídico; outros dizem que a sua existência teve lugar no seu nascimento terreno. A doutrina cristã, portanto, está ancorada em dois fatos: a vinda do Senhor em carne (ITm 3.16) e sua ressurreição corporal (Lc 24.38-48; ICo 15.17).
A humanidade de Cristo é demonstrada claramente nas Escrituras. Seu nascimento (Mt 1.18; Lc 2.1-20), sua juventude (Lc 2.41-52), o inicio de seu ministério terreno por meio do batismo (Mc 1.1-11), sua morte e ressurreição (Lc 24.38-48). O livro Archaeology and Bible History apresenta um cálculo do número de profecias diferentes do Antigo Testamento que se cumpriram em Jesus Cristo. Quantas são? 332! Que outro homem na história poderia ter pelo menos metade destas profecias cumpridas em sua vida? Levando-se em conta que a maior parte das profecias messiânicas realizaram no curto período ministerial de Jesus, três anos e meio, as probabilidades tornam-se ainda mais remotas.
As profecias relacionadas a Cristo podem ser identificadas como pessoais, circunstanciais e ideológicas. Seu cumprimento foi realmente surpreendente. A posição geográfica de seu nascimento, sua vida e morte foram antecipados. As circunstâncias de sua vida e o propósito dela estavam intimamente relacionados às profecias messiânicas.
Observemos alguns exemplos. Profecias que refletem sua personalidade: o seu caráter é antecipado pelas Escrituras, ele seria maravilhoso, príncipe da paz, seu reino seria firmado com juízo e justiça (Is 9.6-7). Seria misericordioso: a cana trilhada não quebrará, seria humilde, seu caráter seria divino (Is 42.1-4). As circunstâncias de sua vida e até detalhes geográficos são preditos: nascido em Belém, descendente da tribo de Judá (Gn 49.10; Is 9.7; 11.1,10 Mq 5.2, cumprido em Mt 1.1-16; 2.1,5,6; Lc 3.23- 33). Sua vida estava totalmente devotada a Deus, e até em sua morte e ressurreição houve um propósito divino, o que foi revelado nas Escrituras (SI 16.8-11; 34.20; Is 53.5,8,11-12; Zc 12.10; compare com Mt 12.39,40; 20.28; 27.57-60; Jo 19.33-37; ICo 15.3-4; 2 Co 5.21; Hb 9.12-15; IPe 2.24).
Nenhum outro homem teve alguma dessas circunstâncias em sua vida. A probabilidade de profecias circunstanciais (fatores geográficos, envolvimento de outras pessoas, como no caso da traição), pessoais (personalidade e critérios), ideológicos (alcançando o propósito prescrito nas profecias quanto ao objetivo de sua vida), se cumprirem na vida de outra pessoa é equivalente a 1 entre 10942. As credenciais do Senhor Jesus são inescusáveis! Além disso, algumas profecias estão repletas de detalhes que dificultam ainda mais uma aplicação superficial. Por exemplo. a profecia referente à traição de Jesus Cristo está relacionada com pelo menos sete fatores: Deus indicou que o Messias seria traído por um amigo. A retribuição seria trinta moedas de prata atiradas ao chão do Templo e utilizadas então para a compra de um campo. E este campo seria de um oleiro. Tais detalhes minuciosos não escaparam ao cumprimento. As Escrituras testificam a veracidade de Jesus como o Messias, o Cristo.
Alguns criticam a historicidade de Jesus, contudo não é tão simples negar este fato. Toda a sua vida foi profetizada pelo Antigo Testamento. Negar a vida de Cristo seria negar as profecias traçadas desde Gênesis a Malaquias. Nenhum outro homem causou mudanças tão evidentes quanto Jesus, e tudo isso em três anos e meio!
Era necessário que Jesus fosse plenamente humano. Quando João escreveu sua primeira carta, circulava na igreja um ensino herético, segundo o qual Jesus não era homem. Essa heresia tomou-se conhecida como docetismo. Essa negação da verdade acerca de Cristo era tão séria que João podia dizer que se tratava de uma doutrina do anticristo: Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo (Uo 4.2-3). O apóstolo João entendia que negar a verdadeira humanidade de Jesus era negar o ponto chave do cristianismo, de modo que ninguém que negasse que Jesus veio em carne era enviado por Deus.
Quando examinamos o Novo Testamento, vemos vários motivos pelos quais Jesus tinha de ser plenamente humano para ser o Messias e obter nossa salvação. Podemos alistar aqui sete razões:
A) Para possibilitar uma obediência representativa: conforme observamos nas alianças entre Deus e o homem, Jesus era o nosso representante e obedeceu em nosso lugar aquilo que Adão falhou e desobedeceu. Vemos isso nos paralelos entre a tentação de Jesus (Lc 4.1-13) e a ocasião da prova de Adão e Eva no Jardim (Gn 2.15-3.7). Também reflete-se claramente na discussão de Paulo sobre os paralelos entre Adão e Cristo na desobediência de Adão e na obediência de Cristo: Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para a justificação de vida. Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um muitos serão feitos justos (Rm 5.18-19).
É esse o motivo pelo qual Paulo chama Cristo de o último Adão (ICo 15.45). E pode chamar Adão de o primeiro homem e Cristo, de o segundo homem (ICo 15.47). Jesus tinha de ser homem para ser o nosso representante e obedecer em nosso lugar.
B) Para ser um sacrifício substitutivo. Se Jesus não tivesse sido homem não poderia ter morrido em nosso lugar e pagar a penalidade que cabia a nós. O autor de Hebreus nos diz: E, visto como os filhos participam da carne e do sangue, também ele participou das mesmas coisas, para que pela morte aniquilasse o que tinha o império da morte, isto é, o diabo… Porque, na verdade, ele não tomou os anjos, mas tomou a descendência de Abraão. Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do povo (Hb 2.14,16-17). Jesus tinha de se tornar homem, e não um anjo, porque Deus estava interessado em salvar homens, e não anjos. Mas, para isso, convinha que ele (Cristo) fosse como nós em todos os sentidos, de modo que pudesse ser a nossa propiciação, o sacrifício substitutivo aceitável em nosso lugar. É importante perceber aqui que, a menos que Cristo fosse plenamente homem, ele não poderia ter morrido para pagar a pena em favor dos pecados do homem. E muito menos poderia ter sido o nosso sacrifício substitutivo.
ETERNIDADE
As Escrituras também nos ensinam a respeito da ascensão de Cristo (At 1.10). Seu corpo não foi desintegrado em gases como afirmam as Testemunhas de Jeová, para isso ele teria de morrer de novo. Hoje Cristo está à direita de Deus. Sua posição celestial não mudou em 1844 (como querem os Adventistas do Sétimo Dia), e tampouco em 1914 (como afirmam as Testemunhas de Jeová).
A posição ocupada por Cristo desde a sua ascensão é a mesma. Nos dias primitivos da Igreja, Estêvão, próximo de sua morte, viu Cristo do lado direito de Deus, o Pai (At 7.54-56). O apóstolo Paulo o reconheceu como Senhor (At 9.5). Foi visto em glória (Ap 1.11-13). Essas três fases da vida de Jesus não são contraditórias. Ele é o mesmo (Hb 13.8). As Escrituras explanam sobre o passado, a encarnação e situação atual de Cristo: Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até a morte, e morte de cruz (Fp 2.7-8). Paulo menciona três fases da vida de Jesus: como Deus em sua plenitude, como Deus encarnado e, agora, exaltado soberanamente. Examinaremos, abaixo, as declarações bíblicas que afirmam, de maneira direta, que Jesus é Deus.
A) A palavra Deus (theos) atribuída a Cristo. Apesar de a palavra theos ser em geral reservada no Novo Testamento para Deus Pai, há algumas passagens em que também se refere a Jesus Cristo. A saber: Jo 1.1; 1.18;20.28; Rm 9.5; Tt 2.13. Um exemplo escriturístico do nome Deus aplicado a Cristo encontra-se numa passagem messiânica bem conhecida: Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o principado está sobre os seus ombros, e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz (Is 9.6).
B) A palavra Senhor (kyrios) atribuída a Cristo. A palavra Senhor (kyrios) é empregada na Septuaginta (tradução grega do Antigo Testamento de uso comum na época de Cristo) como uma tradução do hebraico Há muitos casos no Novo Testamento em que a palavra Senhor é empregada em referência a Cristo, só podendo ser perfeitamente compreendida no sentido veterotestamentário: o Senhor que é o próprio Deus. O emprego do vocábulo Senhor é bem contundente na palavra do anjo aos pastores de Belém: hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor (Lc 2.11). O significado surpreendente da declaração do anjo, que os pastores tiveram dificuldade em acreditar, equivalia, em essência, a dizer: Hoje em Belém, nasceu uma criança que é o vosso Salvador e o vosso Messias, e também é o próprio Deus. Não é de estranhar que todos os que ouviram se maravilharam do que os pastores lhes diziam (Lc 2.18).
O Senhor Jesus apresentou todas as credencias de seu ministério messiânico. Suas credenciais são testificadas por ele próprio através das páginas da Bíblia: Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim (Jo 5:39). Lançamos mão da mesma pergunta feita pelo apóstolo João: Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é o anticristo, o que nega o Pai e o Filho (1 Jo 2:22).
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MÁRCIO SOUZA, REVISTA DEFESA DA FÉ – ANO 4 – N° 29