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Podemos crer na transubstanciação?

Por   /  3 de agosto de 2021  /  Sem comentários

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A eucaristia é um dos sete sacramentos da Igreja Católica. Segundo o dogma católico, Jesus Cristo se acha presente sob as apa­rências do pão e do vinho, com seu corpo, sangue, alma e divindade. Isto é o que ge­ralmente se entende por transubstanciação. A doutrina da transubstanciação não tem respaldo bíblico. Ao longo de sua histó­ria, nem todos os representantes da Igreja Católica concordaram com essa doutrina, entre eles podemos citar os papas Gelásio I e Gelásio II, São Cle­mente e Agostinho, entre outros.

A tradição da Igreja Católica, além de tro­peçar nas metáforas e figuras da Bíblia na questão da eucaristia, que por si mesma já é uma aberração teológica, consegue em­butir nela mais algumas heresias, como a ministração de apenas um só dos elemen­tos aos fiéis — a hóstia. Segundo essa dou­trina, a hóstia preserva o comungante de pecados, tem poder para ajudar os mortos e, pasmem!, pode ser adorada. Tais here­sias não têm o mínimo fundamento bíblico, entretanto, são de vital importância dentro da dogmática do catolicismo romano e, por isso, ainda estão de pé.

É preciso salientar ainda que a confecção da hóstia teve sua origem no paganismo, sendo, portanto, plagiada e inserida no bojo doutrinário da igreja romana.

A hóstia passou a substituir o pão da ceia somente no ano de 1200. É algo impar, especial, fabricada com trigo e sempre redonda. Por ocasião da festa de Corpus Christi, o “Santíssimo Sacramento” é le­vado às ruas em procissão dentro de uma patena de ouro representando um sol. Podemos constatar nesse ato uma fla­grante analogia com as religiões pagãs da antiguidade. Conta-se que a deusa Ceres era adorada como a “descobridora do tri­go” e, por conta disso, representada com uma espiga de trigo nas mãos. Tal repre­sentação correspondia à deusa Mãe e seu filho. O filho de Ceres, que se encarnara no trigo, era o deus Sol. Compare essa afirmação com a doutrina católica que transformara Jesus num pedaço de pão de trigo no formato arredondado do sol cujo ostensório também tem um dese­nho com raios solares.

POR QUE SÓ A HÓSTIA?

O estudante de história da igreja sabe perfeitamente que nenhuma doutrina católica advinda da chamada “Tra­dição Oral” pode ser substanciada, quer na história dos primeiros séculos | da igreja, quer na Bíblia! Nesta última muito menos.

Os apóstolos seguiram o costume bíblico de ministrar a % ceia sob esses dois emblemas: pão e vinho. A igreja pós-apostólica também seguiu o mesmo exemplo, como vemos ao analisar as obras patrísticas dos primeiros séculos. Os católicos precisam rodear e florear suas explica­ções para esclarecer o fato de o sacer­dote dar apenas um dos emblemas (pão) ao fiel, o que é uma clara desobediên­cia ao mandamento do Mestre. Jesus foi taxativo ao dizer “bebei dele TO­DOS”. Essa ordem de fato não se pode cumprir na Igreja Católica. Por mais ar­gumentos que inventem, a verdade con­tinua inalterável: Jesus e os apóstolos nunca mudaram o mandamento. Portan­to, Jesus instituiu as duas espécies (Mt 26.26,28), e os apóstolos seguiram esta ordenança (1 Co 11.23-28). Isto só veio a ser mudado nos concílios de Constança e, posteriormente, reafir­mado no de Trento. No entanto, volta­mos a reafirmar que a ordem de Cristo foi mais que explícita: “Na verdade, na ver­dade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a mi­nha came verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a minha came e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele” (Jo 6.53-56; grifo do autor).

Esse trecho das Escrituras levou dois clérigos da Igreja Católica, Jacobel de Mysa e João de Leida (séc. xiv), a volta­rem ao princípio das duas espécies e logo se empenharam em tem parte com ele e não tem a vida eter­na? Isto não serviria como uma grande advertência aos católicos? Não estari­am correndo o risco de não terem parte na vida eterna? Porque na prática não bebem do sangue como disse Jesus! Se as duas espécies fossem coisa de somenos importância, de certo Jesus teria instituído uma espécie apenas: somente o pão. E certo que as Escritu­ras nunca fazem qualquer menção de que Cristo esteja com seu sangue em­butido no pão. A linguagem usada é por demais contundente: comer e be­ber, pão e vinho, came e sangue. A igreja romana tem alterado o mandamento ori­ginal recusando-se a seguir o exemplo de Jesus e dos apóstolos e tem aban­donado a prática de toda a igreja primi­tiva; prova disso é a Igreja Ortodoxa, que é tão antiga quanto a romana, e mesmo assim ainda preserva o costume bíblico de ministrar o pão e o vinho aos fiéis. Por outro lado, as igrejas evan­gélicas têm seguido a mesma prática instituída por Cristo sem alterações e, por isso, podem usufruir das bênçãos advindas dessas duas espécies, algo que não se dá na Igreja Católica.

O QUE SIGNIFICA DISCERNIR O CORPO DO SENHOR?

Dentro da teologia existe uma dis­ciplina chamada hermenêutica. O que é hermenêutica? Em toscas palavras, hermenêutica nada mais é do que a ci­ência de interpretar textos antigos, sen­do uma das matérias de estudo no cam­po do Direito. Dentro do contexto teo­lógico é a arte de interpretar a Bíblia. Dentre as inúmeras regras, a mais salu­tar e primordial de todas é a do exame do contexto. Vamos aplicá-la aqui. O texto em lide reza: “Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria conde­nação, não discernindo o corpo do Senhor” (1 Co 11.29).

Entre os cristãos daquela época existia uma festa chamada “Festa Agape” ou festas de amor (Jd 12). Era comum entre os cris­tãos celebrarem a ceia com esta re­feição, destinada a ajudar os pobres (esta prática perdurou até na época de Justino, o mártir: 100-170).

Corinto era uma igreja problemática em termos de doutrinas (véu, dons es­pirituais, batismo, brigas, divisões e Santa Ceia), e eles não estavam discernindo o real objetivo de suas reu­niões (v. 17,18-20). Para eles, aquilo era apenas uma festa como as demais fes­tas mundanas da sociedade grega (Corinto era grega) da qual tinham vin­do. Então, quando se reuniam, todos se embriagavam (v. 21), como faziam antes de se converterem, e não discerniam que aquilo era muito mais que uma festa, devia ser observada “em memória” de Cristo (v. 25). Por isso as pessoas deveriam examinar a si mes­mas antes de tocar no pão e no cálice (v. 28), pois correriam o risco de toma­rem a ceia de modo indigno, fora do propósito para a qual fora estabelecida, ou seja, para a comunhão e não divi­são dos fieis (v. 18). Isto é o que o apóstolo Paulo queria dizer com “discernir o corpo do Senhor”. Não há nada que insinue no texto a heréti­ca doutrina da transubstanciação. O contexto, quando analisado honesta­mente, não comporta tal ideia. Logo, qualquer conclusão que passar dis­so não é verdadeira.

OS DISPARATES DESSA DOUTRINA

Ensina a teologia católica a transubstanciação (alteração de subs­tância) durante a eucaristia. Após se­rem consagrados os elementos, pão e vinho, pelo padre e repetidas as palavras de Cristo, “isto é o meu corpo” e “isto é o meu sangue”, misteriosamen­te o pão se transforma na came de Cris­to e o vinho, no sangue. Levando as palavras de Cristo a um “literalismo” bruto, interpretam ser o pão o próprio corpo de Cristo presente na hóstia. Essa doutrina é baseada principalmente no trecho do evangelho de João 6.53: “se não comerdes a carne do Filho do ho­mem, e não beberdes o seu sangue, não tereis sida em vós mesmos”. Contudo, daremos algumas razões de nossa rejei­ção a essa doutrina errônea e perigosa.

  1. Se na frase “isto é o meu corpo” o verbo “ser (é)” implica a conversão lite­ral do pão no corpo de Cristo, segue-se igualmente que nas palavras “eu sou o pão da vida” (Jo 6.35) o verbo “ser (sou)” deve implicar igual mudança, ensinan­do-nos que Cristo se converte no pão, de modo que, se o primeiro é uma “pro­va” da transubstanciação, o segundo demonstra necessariamente o contrá­rio; se o primeiro demonstra que o pão pode converter-se em Cristo, o segun­do demonstra que Cristo pode converter-se em pão, o que é um verda­deiro absurdo, mas é isto o que a lógi­ca dessa filosofia nos leva a entender.
  2. Se acreditarmos que nesse epi­sódio Jesus estava se referindo à euca­ristia, então forçosamente ninguém pode se salvar sem o sacramento, e todo aquele que o recebe não pode se per­der. Seria sempre necessário ao fiel co­mungar-se para não perder a bênção da vida eterna. E aqueles que não po­dem tomá-la? Estariam destinados ao inferno? Creem os católicos que todo aquele que comunga tem a vida eter­na? Pois Jesus disse que, sem exceção, “todo aquele” que comesse a sua car­ne teria de fato a vida eterna. E o que dizer então daqueles que bebem indig­namente (1 Co 11.28)? Tal é a contradi­ção e confusão que nos mostra tão des­cabida teoria se levada ao pé da letra.
  3. Esse ponto já foi tratado acima, mas vamos reforçá-lo aqui. Ora, se to­madas literalmente essas palavras, o beber o sangue é tão importante quan­to o comer a carne. Em outras palavras, é tão necessário comer o pão (hóstia) como beber o cálice (vinho). E por que então o padre nega aos fiéis esse direi­to, desobedecendo a Bíblia?

ANALISANDO JOÃO 6

Diz o padre Alberto Luiz Gambarini: “Jesus não deixou dúvidas quanto a esta questão: a eucaristia ou ceia não é uma mera lembrança, e sim a presença por inteiro de Jesus Cristo”.

Pois bem, analisemos essa questão dentro de seu contexto imediato, pois tais palavras tomadas isoladamente e sem ex­plicação podem ter um sentido, mas den­tro do seu respectivo contexto, levando em consideração a aplicação que o Senhor lhes deu, têm outro sentido bem distinto.

“Respondeu-lhes Jesus: Na verda­de, na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que per­manece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus, o selou” (Jo 6.26,27; grifo do autor). Essas palavras deram princípio ao dis­curso e são a chave para com­preendermos o sentido exato e a razão pela qual Jesus usou a linguagem figurada “comer” e “beber”.

A única dificuldade que há para a compreensão desse discurso de Jesus está relacionada à falta de consideração à figura que lhe deu origem; ou seja, os judeus se­guiam Jesus por causa do milagre dos pães, por causa do alimento material. Ao contrário, Jesus elucida que a co­mida que ele tem é algo maior: “a comi­da que permanece para a vida eterna” (v. 27). Então, os judeus apelam para o episódio do maná que desceu do céu. Jesus explica que o verdadeiro pão não era o maná, mas que o pão verdadeiro é outro, o próprio Cristo. Daí, disseram os judeus: “Senhor, dá-nos sempre des­se pão” (Jo 6.34).

Até aqui, percebemos que os ju­deus não estavam entendendo a men­sagem de Jesus e, por isso, interpretava-o de modo literal, assim como os católicos fazem. Jesus então explica que o sentido de sua mensagem era simbólico, espiritual, não literal: “E Je­sus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede” (Jo 6.35). Esse versículo é muito im­portante, pois nos explica que comer a carne e beber o sangue de Jesus é somente crer e ter fé nele, recebendo- o; nada mais que isso. É justamente isso que significa o alimento do seu corpo: “Porquanto a vontade daque­le que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, te­nha a vida eterna” (Jo 6.40). Jesus rechaça qualquer tipo de confusão quanto a isso quando arremata: “O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida” (Jo 6.63). Jesus estava falando espiritu­almente, não fisicamente. Estava ex­plicando que a vida vem por meio da fé nele, e não comendo o seu corpo.

Então, como explicar esse versículo: “… e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo” (Jo 6.51)? Será que com isso Jesus não es­tava ensinando sobre a eucaristia, quan­do os seus seguidores iriam alimentar- se dele por meio da hóstia num tempo futuro? Não necessariamente. A Bíblia ensina, sem sombra de dúvidas, que a vida eterna viria por meio de sua morte na cruz, dando seu corpo, isto é, sua carne para ser sacrificada. E isso está em perfeita concordância com o restante das Escrituras. Veja como o apóstolo Paulo entendeu essa questão: “Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade” (Ef 2.14).

A Bíblia nos diz que Cristo real­mente deu seu sangue e sua carne ao mundo para alcançarmos a vida eterna. Vejamos: “E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tan­to as que estão na terra, como as que estão nos céus. A vós também, que noutro tempo éreis estranhos, e ini­migos no entendimento pelas vos­sas obras más, agora contudo vos reconciliou no corpo da sua carne, pela morte, para perante ele vos apre­sentar santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis” (Cl 1.20-22) e “Pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne” (Hb 10.20).

A conclusão a que chegamos, len­do o contexto, é que o “alimentar-se” de Jesus (seu corpo), por meio da sua carne e do seu sangue, é a mesma figu­ra de linguagem utilizada por ele em João 4.14: “Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna”. Assim como essa “água” era espiritual, a bebida e a comida tam­bém, tanto é que quando os discípulos entenderam de modo literal essa men­sagem Jesus prontamente os corrigiu explicando que: “O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida” (Jo 6.63). O “alimentar-se” de Cristo seria “crer nele”, quando então o Pai entregaria seu Filho na cruz para ser sacrificado por nossos pecados. Muitos pais da igreja primitiva concordavam com este ponto de vista, entre eles Agostinho, considerado um dos maiores doutores da Igreja Católica.

LEMBRANÇA OU PRESENÇA REAL?

“Isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim” (1Co 11.24)

Esse é o argumento mais repetido entre os católicos para sustentar a transubstanciação. Não há algo mais claro nessa passagem do que a verda­de de que aquilo era realmente o corpo de Cristo, dizem os católicos.

Não precisamos nos esforçar muito para desfazer essa interpretação, basta-nos apenas recorrer ao contexto. Ora, é importante entender que Jesus instituiu a Santa Ceia na ocasião em que estava comendo a ceia pascal. Sem dúvida, ele recordava de que aquela Páscoa foi ins­tituída para comemorar, pela aspersão do sangue do cordeiro, a saída dos israelitas do cativeiro do Egito.

O pão que Jesus tomou e abençoou e deu aos discípulos era o pão pascal. Muitos católicos dizem que Jesus não comeu aquele pão, mas tal assertiva se mostra falsa quando lemos que Jesus iria comer realmente aquela comida, veja: “E mandou a Pedro e a João, dizendo: Ide, preparai-nos a Páscoa, para que a comamos […] E direis ao pai de família da casa: O Mestre te diz: Onde está o aposento em que hei de comer a páscoa com os meus discípulos?” (Lc 22.8,11; grifo do autor).

Todas as suas ações e palavras tinham alguma relação com a antiga Páscoa. Ten­do isso em vista, devemos procurar na antiga festa uma explicação para a Santa Ceia que ele iria substituir, pois ele (Je­sus) é a nossa Páscoa (1Co 5.7).

Quando Moisés instituiu a Páscoa, mandou os israelitas comerem a carne e aspergirem o sangue do cordeiro em suas casas (Êx 12.7,8). Só que o cordei­ro que comiam não era a “Páscoa”, pois tal palavra é derivada do verbo pasah, que significa “passar por cima”, dando a ideia de “poupar e proteger” (Êx 12.13).

A Páscoa do Senhor era o “passar do anjo por toda a terra do Egito”. Vê-se, pois, que o ato de passar por cima das casas dos israelitas era uma coisa e o cordeiro que os israelitas comiam era ou­tra essencialmente distinta: uma era um fato e a outra, a recordação desse fato.

Embora Moisés tivesse dito a res­peito do cordeiro: “É a Páscoa” (a pas­sagem do Senhor), isso não significa, porém, que quisesse dizer que o cordei­ro que os israelitas tinham assado e estavam comendo poderia ter se mudado ou transformado no ato de passar o Se­nhor por cima das casas. O sentido sim­plesmente era: “E uma recordação da Páscoa ou da passagem do Senhor”. Temos, pois, aqui, um exemplo clássico dessa figura de retórica pela qual se dá o nome da coisa que ela recorda, ou se põe o sinal pela coisa significada. Quan­do, pois, as famílias se reuniam em tomo da mesa para comer a Páscoa, o chefe da família dizia: “Esta é a Páscoa do Se­nhor”, quando, na verdade, estava que­rendo dizer o seguinte: “Esta é a recor­dação da Páscoa do Senhor”.

Pois bem, fincado na essência des­sa celebração, Jesus certamente se va­leu da mesma expressão conhecidíssima dos israelitas. Depois de a Páscoa ter sido abolida e substituída pela Santa Ceia, Jesus serviu-se da mesma expres­são de que tinha feito uso na celebração antiga. Era natural que, do mesmo modo que tinha dito da Páscoa “Esta é a Pás­coa do Senhor”, recordando-se do que fora feito na época de Moisés, Jesus usasse também mui naturalmente as pa­lavras “Isto é o meu corpo” ou “Isto é o meu sangue”, para significar que aque­le rito devia ser usado como recorda­ção do seu corpo e do seu sangue ofe­recidos na cruz, sendo ele o verdadeiro cordeiro de Deus (Jo 1.29) que nos libertou do cativeiro do pecado.

Os discípulos, por serem ju­deus versados nas Escrituras, estavam, por certo, familiarizados com tais figuras de lin­guagem (SI 27.1,2; Is 9.18,20; 49.26), não lhes sendo difícil entender o que Jesus queria I lhes dizer. Pois, antes disso, haviam ouvido o seguinte de  Jesus: “Eu sou a porta” (Jo 10.7), “Eu sou o caminho” (Jo 14.6) e “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12), e entenderam perfeitamente a linguagem.

Então, quando Jesus, ao distribuir os elementos da ceia (pão e vinho), dis­se: “isto é o meu corpo” e “isto é o meu sangue”, ele estava falando de maneira figurativa. Tanto é que ordenou: “fazei isto em memória de mim”. Assim, temos razão para crer que a ceia era uma come­moração ou lembrança de sua morte na cruz, e devemos prosseguir fazendo isso (ou seja, celebrando a Santa Ceia) até que ele venha.

Veja que mesmo depois de ter sido consagrado por Jesus, o vinho conti­nuou sendo vinho, o que serve para corroborar o nosso ponto de vista: “Por­que vos digo que já não beberei do fru­to da vide [não disse meu sangue], até que venha o reino de Deus” (Lc 22.18).

Paulo simplesmente considerava os elementos da Santa Ceia como pão e vinho, e não o corpo do Senhor transubstanciado: “Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizen­do: Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; fazei isto todas as vezes que beberdes, em memória de mim. Pois todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha. Portanto, qualquer que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indigna­mente, será culpado do corpo e do san­gue do Senhor. Examine-se o homem a si mesmo antes de comer deste pão e beber deste cálice” (1Co 11.25-28).

O pão representava o corpo do Se­nhor e o vinho, o sangue. Todas as vezes que nos reunimos para celebrar a Santa Ceia fazemos isto sempre em me­mória do Senhor, pois ele mesmo dis­se: “fazei isto em memória de mim”.

Não podemos sacrificar Cristo no­vamente (Hb 7.24,27)!

OS CONTRASSENSOS DA TRANSUBSTANCIAÇÃO

Por darem ouvido ao dogma da transubstanciação, os católicos, além de incorrerem num terrível engodo, acabam por abraçar uma teoria fictícia. Vejamos:

* Se naquela ocasião em que Jesus disse “Isto é o meu corpo” realmente tivesse ocorrido a tão propalada “transubstanciação”, então somos le­vados a acreditar que existiam naquele momento dois corpos do Senhor. Le­vando esse dogma às últimas conse­quências, teremos isto: Jesus pegou aquele pedaço de pão, já transformado em seu corpo (com divindade e alma, segundo creem os católicos) e deu-se a si mesmo para seus discípulos come­rem. Depois de terem comido o corpo do Mestre, os discípulos sentaram-se ao seu lado. E mais: Jesus também teria comido e engolido a si próprio, pois cer­to é que ele também participou da ceia!

* Se tal pão consagrado tivesse sido comido acidentalmente por um roedor, dar-se-ia o caso de o animal também ter engolido o Cristo com seu corpo, alma e divindade.

* Se a hóstia se estragar e apodre­cer, seria o caso de o corpo de Cristo, que está nesse elemento, apodrecer tam­bém. Então, como fica  Atos 2.31, que diz que a carne de Cristo não se corrompe?

* Se o que dá vida é o espírito, por que Deus se faria carne por meio da hóstia para nos vivificar?

* Se Cristo nos ordenou que ce­lebrássemos a cerimônia até que ele voltasse, conforme 1 Coríntios 11.26, como pode estar presente na hóstia?

* Se ele virá, quer dizer que não está! Devemos ressaltar que tal vinda é escatológica, quando Cristo virá em corpo, pois, espiritualmente, ele está conosco todos os dias (Mt 18.20, 28.20) e esta pro­messa não tem nada que ver com a Santa Ceia.

* O papa Pio IX se vangloriava com o dogma da transubstanciação, dizendo: “Não somos simples mortais, somos superiores a Maria. Ela deu à luz um Cristo só, mas nós podemos fazer quantos cristos quisermos; nós, os pa­dres, criamos o próprio Deus”.

Uma coisa tão extraordinária como essa. Um milagre tão estupen­do: mudar um pedacinho de pão no próprio Deus. Um milagre tão dife­rente de todos os que se têm notí­cia. Tudo isso deveria ter uma pro­va muito mais clara e contundente do que meras formas de expressão. E, sem dúvida, algo que foge à nos­sa compreensão, não por ser algo misterioso, mas por ser irracional e incoerente. Quando se prova o pão, ele ainda é pão, tem cheiro de pão, o gosto ainda é de pão. E o mesmo se dá com o vinho!

Onde temos o corpo de Cristo nis­so tudo? Esquivar-se, fazendo uma se­paração arbitrária de milagres, visíveis para os incrédulos e invisíveis para os crentes (diga-se católicos), é ultrapas­sar o que está escrito.

Onde está tal divisão nas Escritu­ras? Em lugar nenhum!

Mas é preciso argumentar para for­jar explicações que sirvam de alicerce para a doutrina católica.

INTERPRETAÇÃO DOS REFORMADORES

Para a Reforma Protestante, são dois os sacramentos instituídos pelo próprio Cristo: o batismo, que marca o início da vida cristã, e a Santa Ceia, que significa a manutenção dessa vida, a santificação.

Unidos sobre o sentido do batis­mo, apesar de ênfases diversas, os reformadores se dividiram sobre o sen­tido da eucaristia. Lutero se opôs à missa como obra meritória e repetição eficaz do sacrifício do Cristo. O ofere­cimento da graça se efetua sob duplo signo instituído por Cristo: não se pode recusar a nenhum fiel o pão e o vinho oferecidos por Jesus, em oposição ao Concilio de Constança, de 1414, que proibiu o uso do cálice aos leigos. Con­tudo. Lutero opõe-se a uma presença meramente simbólica de Cristo na ceia. Mantém a tese da “consubstanciação”, segundo a qual o pão e o vinho perma­necem presentes na ceia simultaneamente com o corpo e o sangue de Cristo.

Zwinglio vê na ceia cristã o sim­ples memorial que comemora o sacrifí­cio único e infinitamente suficiente de Cristo. Calvino queria mais do que uma presença somente simbólica à ma­neira de Zwinglio, mas repudiou não só a posição católica como a luterana. Para Calvino. a “substância” não se refere a um substrato invisível na ma­téria do objeto, mas significa a realida­de profunda de um ser. O pão e o vinho não só representam a comunhão com o corpo e o sangue de Cristo, mas tam­bém “apontam” para a realidade desse significado. O que Calvino rejeitou foi a ideia da “presença local”; ele acredi­tava no Espírito Santo e não num fenô­meno especial, para relacionar direta­mente o comungante com o Cristo vivo.

O anglicanismo adotou o essen­cial das posições da Reforma. A confis­são anglicana conserva dois sacramen­tos (batismo e ceia), proíbe as procis­sões solenes do Santíssimo Sacramen­to e a adoração das espécies consagra­das. O corpo do Senhor é recebido me­diante a fé (conceito calvinista). A maioria esmagadora dos protestantes aceita as noções de Calvino e Zwinglio.

Antes de finalizarmos este estudo é necessário fazer um adendo sobre aposição de Lutero. Apesar de ter sido levantado por Deus, Lutero, no princí­pio, não pretendia separar-se da Igreja Católica, mas reformá-la por dentro. Tendo esse pano de fundo histórico, podemos entender por que ele não ab­dicou de certas noções católicas. Ele representava a primeira geração dos reformadores e, por isso, muitas coisas ainda estavam enraizadas profunda­mente nele. Somente com o decorrer do tempo é que a doutrina da Reforma foi se purificando mais e mais. É bem pare­cido com o que aconteceu com o cristianismo em relação ao judaísmo no começo de sua história. Esse problema já não aparece nas gerações posteriores dos reformadores, que foram lapidando os lapsos teológicos do catolicismo dentro do protestantismo.

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PAULO CRISTIANO, REVISTA DEFESA DA FÉ – ANO 8 – N° 55

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